Há alguns anos eu me dedico a revisar jogos. Seja para minha própria diversão, através de fóruns, sites e redes sociais, ou com a minha passagem pelo Noobze agora com o Combo Infinito. Porém em nenhum momento me senti tão confuso para dar nota para algum game. Do mesmo jeito que muitos jogos me proporcionaram momentos marcantes, principalmente com Indigo Prophecy e Heavy Rain, até The Last of Us, que me levou ao ápice da experiência gamística.Beyond Two Souls conseguiu o mesmo resultado, porém às avessas.
Não, Beyond Two Souls não é um game ruim de todas as formas. Porém como jogo, ele é quase um filme, e como filme, ele é quase um projeto de filme. A tentativa de ser o que não é (um filme), parecendo com o que deveria ser (um game), mostra que David Cage perdeu a mão, manchando parte das suas grandes ideias, que tanto evoluíram de um projeto para outro.
David Cage é o escritor e produtor de Beyond Two Souls, e qualquer projeto que ele põe a mão é envolvido por um hype absurdo, e através de seus jogos a Quantic Dream fez seu nome. Não é pra menos, pois dois dos jogos que citei acima – Indigo Prophecy / Fahrenheidt e Heavy Rain, são ícones da experiência cinematográfica nos games. E no momento em que Beyond Two Souls foi anunciado, com a participação de Ellen Page, uma atriz de grande nome, em um jogo de vídeo game, os fãs foram à loucura. Não tinha como essa união dar errado.
Isso é o gráfico do jogo amigão, é não é o PS4 hein.
Mas deu.
Beyond Two Souls conta a história de Jodie Holmes (Ellen Page), que desde que criança sofre com o fato de uma entidade, ou espírito, estar atrelada à sua alma – daí o nome Beyond Two Souls – Além de duas almas. Aiden, a alma presa à Jodie, ao mesmo tempo que é uma ameaça eminente à garota, também a protege de diversos perigos. Talvez por perceber que ele também esteja em perigo nestas situações. Fato é que enquanto criança, Jodie é levada para um centro de pesquisas, e é aqui que entram os personagens mais importantes do game.
E Ellen Page fez um trabalho incrível! Posteriormente uniu-se ao projeto, nada mais nada menos, que Willem Dafoe, o Duende Verde do primeiro Homem Aranha. Os dois atores dão uma vida incrível ao jogo, aliado à qualidade gráfica impecável, que demonstra até mesmo que o Playstaiton 3 poderia durar mais um ano fácil com jogos exclusivos para ele, e que principalmente, atores de cinema podem trabalhar em jogos. A parte sonora mais a dublagem, tanto original quanto a em português do Brasil também é espetacular, acima da média. Só por isso, por estes dois quesitos, gráfico + som, muitos jogadores já estariam satisfeitos com a obra. Porém, como é jogar Beyond Two Souls?
É uma experiência memorável. Sim, você não vai esquecer o quanto de potencial foi jogado pela janela com a forma de se jogar de Beyond Two Souls. Mesmo que parecido com Heavy Rain e Indigo Prophecy, estes dois títulos deixavam o jogador mais livre, lembrando os velhos jogos de aponte e clique da Lucas Arts. Você tem um ambiente e um personagem, explore-o.
Chama o Peter Parker!
Porém em Beyond Two Souls, controlar Jodie é algo muito comum e travado. Ela pode correr, lutar, pilotar moto, andar a cavalo, esquiar. No entanto somente quando o jogo quer, na hora que encaixa com a história e de uma maneira muito mecânica, sem desafio, sem motivação. Pior ainda é no meio de uma cena, Jodie fica esperando você dar o comando pra ela se levantar, por diversas vezes. Além de não adicionar nada à jogabilidade, quebra a cena em questão, parecendo que durante o processo de produção, David Cage lembrava-se e dizia “Óh, é um jogo, deixe-me colocar uma interação aqui!”.
O jogo poderia ser totalmente diferente, e as falhas ao se jogar com Jodie poderiam passar despercebidas, se enquanto no controle de Aiden (sim, podemos controlar a entidade) a liberdade de escolha fosse maior. Enquanto você é a alma penada, é possível “voar” e atravessar paredes, pessoas, objetos, limitado apenas pela distância de Aiden e Jodie, já que o que os liga é algo como um cordão umbilical espiritual. Nestes momentos é que Beyond Two Souls brilha. Entretanto, ainda assim não deixa o jogador decidir o que quer fazer. Sempre é algo scriptado, basta você achar onde o jogo quer que você dê “play” para continuar assistindo ao jogo. Apesar de Aiden poder matar, possuir pessoas, derrubar objetos e alguns truques mais, apenas o jogo decide quando você deve fazer isso.
Ser um fantasma na hora que Jodie tomar um banho, não deve ser tão ruim…
Imagine-se como uma alma, podendo causar por aí e ninguém saber que foi você! É disso que eu estou falando! Mas não é possível… procure o ponto azul, e dê play.
Aí vem a parte mais problemática, ainda mais que a jogabilidade. A história de Beyond Two Souls, apesar de muito boa, não é nada surpreendente, e sofre com a maneira que ela é contada. Imagine que aquele seu escritor favorito escreveu um livro que você muito esperava. Ao final de seu trabalho, antes de lançar a obra no mercado, ele rasga todas as páginas, joga todas para o ar e as recolhe, reconstruindo o livro na sequência que ele pegou, e então coloca à venda. Quando você compra o seu aguardado livro, vê que o que está lendo é uma parte bastante avançada da história, e quando vira a página ou chega ao segundo capítulo, tudo muda, e os personagens que você já conhecia praticamente não existem mais. Então, você se empolga com a “nova” história, e na página seguinte existe outra parte, que recomeça tudo novamente. É mais ou menos isso que acontece aqui. São blocos que contam a vida de Jodie desde que ela é uma criança, até tornar-se uma mulher, mas não é sequencial, não dando chances para que você pegue alguma afinidade com ela ou os NPCs. Talvez Aiden, calado, sem rosto ou forma, acabe se tornando o real motivo da existência do game, desperdiçando a ótima atuação de Ellen Page.
Olhando assim, até me parece ser mais legal do que o game é de verdade.
Talvez a única explicação para a história ser como é, está numa das sequências do final, o que não tira o fato do game ter pecado neste quesito, pelo simples fato de não demonstrar isso antes para o jogador. Quem quiser discutir essa parte final, tome cuidado com o spoiler.
A história, assim como em Heavy Rain, deixa que em alguns momentos possamos tomar decisões, que afetam em seu final. Estas decisões podem mudar o desfecho do game, mas todos os problemas citados tiram a motivação para jogar novamente. Se ainda pudéssemos escolher jogar na sequência cronológica das coisas, o game poderia ter uma segunda jogada melhor que a primeira, dando mais sentido ao fator replay.
Portanto, o Playstation 3 recebe mais um exclusivo, que será jogado por quem se interessa pelo assunto de espiritualidade, gosta de ver bons gráficos e uma ótima questão técnica, ou é fã dos trabalhos anteriores de David Cage e da Quantic Dream. Mas realmente não espere que o game seja tão bom quanto os demais trabalhos de Cage. Tudo poderia ter sido diferente, se Beyond Two Souls tivesse decidido se era jogo ou filme, e se o controle da situação estivesse com o jogador.
Já inventaram o PS4, o Xbox One, portáteis com jogos de console e até celular com capacidade de PC. E ainda tem gente me enviando solicitação de jogos no Facebook.