Existe algo muito estranho e peculiar na indústria dos jogos: o preço. Saber exatamente o valor de venda desses produtos é uma tarefa difícil que acaba com o sono até do mais experiente profissional de uma grande empresa. Mas existe uma certa prática de mudança de preço na América do Norte que é bizarra: os jogos são tratados como produtos perecíveis.
Quando você vai ao supermercado, pode perceber que o preço dos produtos perecíveis fica menor quando eles estão próximos da data de expiração. Isso faz sentido, já que o objetivo é fazer com que o produto seja vendido rapidamente. O consumidor esperto também sabe que precisa consumir o produto rapidamente caso decida comprá-lo. É uma situação interessante para vendedor e comprador.
A mesma estratégia de precificação acontece na indústria de jogos. No lançamento, os games custam um preço cheio tabelado e depois de um ou dois meses, o preço começa a cair. A velocidade da queda depende da estratégia da empresa e existem exemplos de jogos com preço cortado pela metade (ou até menos da metade) poucos meses após o lançamento.
Como exemplo, as promoções da PSN, Steam, Live…
O objetivo das publishers é o mesmo do supermercado: vender o mais rápido possível. Os preços diferentes atingem públicos mais ou menos interessados no produto e quem paga o preço cheio é normalmente o grupo dos fãs que querem ter acesso imediato à experiência. Quando as vendas começam a desacelerar, o preço fica mais baixo e o jogo passa a atingir grupos que estavam menos interessados.
A estratégia parece fazer sentido, mas há repercussões para o consumidor e pra indústria e os sinais se tornaram muito evidentes na geração passada.
Jogos não são laranjas
A primeira conclusão óbvia é que jogos não são perecíveis e por isso não deveriam ser precificados dessa forma. Na maioria dos casos, a experiência de um jogo é exatamente a mesma, não importa se ele foi comprado no lançamento ou 6 meses depois. Existem algumas exceções para jogos com foco competitivo on-line, mas em geral nenhum jogador ficará prejudicado se desfrutar da experiência um pouco mais tarde.
A estratégia de vender jogos como laranjas não é ruim se feita com parcimônia, mas essa palavra não é muito usada nesta indústria.
Não mexa com os fãs
Os fãs de jogos é um valioso consumidor que deve ser tratado com muito carinho. São essas pessoas que compram um console que ainda nem tem jogos direito no dia 1 por um preço exorbitante e eles também apostam nos jogos antes mesmo deles existirem, seja através de pré-compra ou sites de crowdfunding como o Kickstarter. Ninguém os força a fazer isso. Eles fazem porque são fãs.
Existe também aquela certa sensação de exclusividade que faz parte da natureza dos fãs e isso os impulsiona a comprar o jogo no lançamento. Normalmente, esse grupo é o mais prejudicado, pois comprar um jogo com preço cheio e depois perceber que dois meses depois o mesmo jogo está muito mais barato é um desrespeito a quem comprou no lançamento e o grande problema dessa estratégia.
Na guerra da indústria dos videogames, os fãs são os soldados mais leais e destemidos. Precisam ser tratados como reis! Desrespeitá-los é dar um tiro no pé e os resultados já são devastadores e olha que nem falamos de outras práticas da indústria como lançar jogos cheios de bugs ou incompletos, DLCs, preços diferentes para outras plataformas, etc.
A resposta do consumidor e da indústria
Alguns fãs perceberam que não é uma vantagem comprar no lançamento e como foram condicionados pela própria indústria a esperar pela queda de preço, um fenômeno óbvio está acontecendo: cada vez menos pessoas estão dispostas a pagar o preço cheio pelo produto.
A estratégia que parecia acelerar as vendas agora não faz mais sentido. Para vender mais rápido, o preço também precisa cair mais rápido para atrair novos compradores, some isso a um mercado saturado de bons jogos e consumidores desconfiados e voilà! Temos uma receita para um cataclisma econômico.
A resposta da indústria se consolidou na geração passada: o modelo freemium elimina de uma vez a barreira do preço, mas demanda uma série de adaptações dos game designers. Agora o jogo não precisa ser só divertido, ele precisa ser divertido e lucrativo desde a sua concepção e essa receita, como os leitores do Combo Infinito já sabem, normalmente não funciona bem.
O modelo freemium agora também sofre do mesmo problema do modelo premium dos consoles: saturação do mercado. Pra um jogo freemium se destacar, ele precisa de investimento e valores de produção compatíveis com os seus concorrentes e o nível está cada vez mais alto.
Sem cheats
Nunca existiu uma fórmula mágica para fazer um produto de sucesso e o desafio cresce a cada dia. O que funciona ainda é o raciocínio mais simples: fazer um jogo que agrade o seu público alvo, cobrando um preço justo e respeitando os seus fãs, pois mesmo que o jogo não seja um hit, quem gostar vai esperar ansiosamente pelo próximo lançamento. É assim que se forma uma boa base de fãs, com respeito mútuo e honestidade.
Marcelo Martins é músico, compositor e está sempre muito atento a todos os sons produzidos pela indústria de games. Está envolvido com jogos desde os 7 anos de idade e é fã de Ryu.